segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Antropologia Cultural


Manifestação cultural brasileira popular: A Capoeira

Contexto histórico
Misto de dança, jogo, brincadeira e luta essa manifestação cultural surgiu com os escravos vindos da África.
Na época do Brasil-Colônia, meados do século XVI, havia muita necessidade de mão-de-obra no cultivo e no engenho de cana-de-açúcar.
Foi assim que, quatro milhões de negros africanos foram capturados na África para serem submetidos ao trabalho escravo no Brasil.
Um intenso tráfico de escravos se formou entre África – Pernambuco – Bahia – Rio de Janeiro, onde aportavam os “navios negreiros” desembarcando os negros cativos.
A partir daí, um triste capítulo e violento capítulo teve início, manchando de suor, sangue e lágrimas, as páginas da História do Brasil.
Ao negro escravo era negada até a condição de ser humano. Depois de negociados como mercadorias, o dono podia usar e dispor do escravo como bem entendesse. O tratamento dispensado ao escravo era, praticamente, o equivalente ao dado aos animais de serviços de tração.
Ao contrário do que muitos pensam, os negros não aceitaram, pacificamente, o cativeiro e as torturas que lhes eram impingidas. Os homens que reinavam livres nas tribos africanas, não se submeteram aos maus-tratos de seus proprietários, sem demonstrar uma forma de reação e resistência.
Quando o sofrimento nas “senzalas” se tornava insuportável, muitos negros fugiam arriscando a vida em busca da liberdade. Alguns eram recapturados pelos “capitães-do-mato”, que os traziam de volta à fazenda e lhes aplicavam castigos brutais. Aqueles com obtinham sucesso na fuga, formaram comunidades de resistência, onde se abrigavam, eram os “Quilombos”
Os negros que permaneciam como escravos não podiam expressar sua cultura de origem em rituais religiosos ou de guerra.

Capoeira brasileira
A maioria dos estudiosos afirma que a manifestação surgiu no Brasil, porém o fato não pode ser comprovado, por falta de registros históricos. Segundo se apurou, a capoeira surgiu no Brasil, entre os negros bantus vindos de Angola. A validação dessa hipótese se dá na inexistência de manifestações semelhantes em quaisquer outros lugares do mundo que também receberem escravos vindos da África.

Capoeira e seus significados simbólicos
A capoeira compõe-se de uma atividade corporal com coreografia acrobática que lembra propositalmente uma dança, reforçada pela presença da música. Sem música, não há Capoeira. Só depois que os músicos se colocam em forma de roda, impondo o ritmo ao som de instrumentos, de cantos e de palmas, é que os participantes se apresentam.
Assim, aos olhos dos “donos”, os escravos dançavam e se divertiam a sua maneira pela noite adentro.
Porém, golpes precisos e mortais se aliavam à ginga, aos passos de destreza, de elasticidade, de atletismo que visavam um treinamento de combate cujo objetivo era derrubar o adversário. Dessa forma disfarçada, a Capoeira se espalhou e era permitida nos terreiros e nas senzalas.
A Capoeira proporcionava a manutenção de traços da cultura africana, aliviava o estresse do trabalho escravo, promovia a conservação da boa forma física e preparava os homens na técnica de combate.

Capoeira: da repressão à liberação
- Após a Abolição (1888), veio a Proclamação da República (1889), a Capoeira foi oficialmente proibida pelo Marechal Deodoro da Fonseca e considerada crime. A pena a quem praticasse variava de 300 açoites com sal e cachaça à ida para o calabouço.
- Em 1893, deu-se o auge da repressão, a pena foi transformada em deportagem dos praticantes para a Ilha de Fernando de Noronha com trabalhos forçados.
- Em 1937, o presidente Getúlio Vargas, revogou a lei Sampaio Ferraz, liberando a prática da Capoeira, pois considerou sua proibição como preconceito e perseguição.
- Em 1972, a Capoeira foi reconhecida como “esporte” pelo Conselho Nacional de Desportos.
- Atualmente, a Capoeira é ensinada e praticada em Academias e Escolas como esporte para todas as idades, ambos os sexos e todas as camadas sociais, tanto no Brasil como em todo o mundo.
Salete Micchelini

sábado, 15 de dezembro de 2007

Resenha crítica: "Educação após Auschwitz" (T. W.Adorno)


Theodor Wiesengrund Adorno (1901-1969), filósofo, sociólogo e musicólogo. Nasceu na Alemanha na cidade de Frankfurt, onde se destacou como membro da famosa Escola de Frankfurt. Devido à perseguição aos judeus viveu exilado por alguns anos.
Suas idéias tomam a própria sociedade como objeto e consideram a produção cultural em sintonia com a ordem social em vigor.
Criou o conceito de “indústria cultural” para designar a exploração sistemática e programada dos bens culturais com finalidade de lucro e de enganação.
Seus escritos contêm fundamentos da dialética de Hegel e uma profunda conotação sociológica.
A resenha, ora apresentada, vincula a educação como instrumento de formação de pessoas que podem cometer atrocidades a serviço de um sistema xenofóbico.
Auschwitz foi um conjunto de quatro campos de concentração (1941-1944), construídos pelos nazistas para extermínio de judeus, na cidade polonesa de Oswiecim.
Nas quatro câmaras de gás e fornos de incineração, chegaram a ocorrer 200 incinerações por dia.
Em Auschwitz, eram realizadas experiências genéticas macabras utilizando os prisioneiros judeus como cobaias. Calcula-se que três a quatro milhões de prisioneiros foram assassinados nessas instalações, onde hoje funciona um “museu” do Holocausto!
Theodor W. Adorno não quer que isso caia no esquecimento e muito menos que fato volte a acontecer.
A Segunda Guerra Mundial deixou marcas e danos irreparáveis na condição humana e não apenas naqueles que sofreram os horrores e as barbáries como vítimas diretas ou indiretas.
O fato mais assustador é que a própria sociedade propiciou homens capazes de cometer tais atrocidades e permitiu que uma verdadeira “indústria de extermínio” de pessoas se instalasse e funcionando plenamente.
Auschwitz foi um episódio tão abominável e inconcebível que jamais poderá ser apagado ou esquecido nas páginas negras dos livros da história.
È doloroso ter consciência de que tudo o que lá foi erguido e praticado contou com a intenção e a inteligência humana. Era o ser humano versus o ser humano, justificado por uma cruel intolerância à diversidade racial e cultural.
Como entender uma atitude planejada, racionalmente, se a razão não condiz com tal circunstância?
Nem mesmo na mais primitiva espécie animal, dita “irracional”, algo semelhante foi registrado.
Daí, a preocupação do pensador Theodor W. Adorno se justifica e até hoje nos atormenta: Como que evitar Auschwitz venha a se repetir?
Alguns educadores sem negam a retroceder ao dantesco episódio, pois a simples referência a ele já nos causa indignação e vergonha. Então, que se faça a sua subestimação ou negação?
Porém, Adorno diz que não sepultá-lo e questioná-lo é uma maneira de evitar sua repetição.
O mundo contemporâneo, agora “globalizado”, onde predomina a ideologia capitalista está correndo sérios riscos. Vale que retomemos essa discussão!
Atualmente, o indivíduo está sujeito ao imediatismo, ao consumismo e ao individualismo desenfreado, como preparar a pessoa para esses descaminhos? O que a educação pode fazer pela pessoa? O que se deve cultivar como valores? Que sementes devem ser plantadas para que a pessoa seja mais humana e não desumana?
Tudo isso preocupava Adorno. A possibilidade de que nova carnificina como a de Auschwitz encontrasse terreno fértil para se reinstalar era o temor do filósofo. Onde teria ocorrido tamanha falha na formação daqueles homens que se prestaram a tanta crueldade? Na sociedade? Na família? Na escola? Nesse conjunto social?
A contemporaneidade trouxe novos paradigmas educacionais. A escola se atrelou a um tecnicismo para atender a um sistema de formação para o trabalho e para a preparação para um sistema produtivo carente de mão-de-obra eficiente.
Seres, novamente, “coisificados”, desprovidos de sua humanidade vêm se reproduzindo e repassando esse mesmo tratamento ao seu semelhante. Isso também é violência, pois a violência não está apenas na agressão física (essa é uma das suas manifestações), mas também na forma indiferente de perceber o outro e a si próprio.
E o ambiente físico escolar? As escolas se assemelham a prisões. Prédios mal planejados, danificados, grades por toda parte, frieza de concreto, salas abafadas e lotadas de “coisas” (ou seriam “pessoas”?). Será que esse ambiente propicia o despertar da sensibilidade e da criatividade para uma aprendizagem transformadora?
Repensar a escola é urgente. Adorno nunca foi tão atual. Retomar esse questionamento é fundamental para evitar “minis-Auschwitzes” nacionais.
Adorno sugere os esportes, jogos lúdicos, sem o propósito competitivo, mas do convívio solidário e de equipe, onde as forças são somadas para o cumprimento de uma meta comum.
Outra vertente que desperta a sensibilidade e inibe a brutalidade é o ambiente das artes em geral (a música, a pintura, a poesia, o teatro, o artesanato...), essas formas de expressões culturais quando despertadas elevam e sintonizam ao humano à sua essência interior.
Repensar a escola é humanizá-la. Voltá-la para o caminho da cooperação, do diálogo, do entendimento, do apoio a posturas sensatas e conciliatórias. Através das relações interpessoais, que mexem com a emoção e geram laços afetivos se consegue uma ação transformadora e humanizante.
Se for necessário, que se ensine a “ser” e a se “conhecer” , ao invés de ensinar pacotes de conteúdos e conhecimentos, hermeticamente contidos em “programas” pré- fabricados.
Uma sociedade educacional é aquela que cria vínculos, que valoriza as diferenças e resgata as identidades perdidas. A escola humanizada é solidária, é espaço de socialização, de convivência harmônica e de preservação da vida plena para que Auschwitz nunca mais se repita.
Vale lembrar que, já na Antiguidade Clássica, os sábios Sócrates e Platão concordavam que o objetivo máximo da Educação era despertar o corpo e a alma para a beleza, a virtude, o amor, a verdade, o bem...
O texto de Adorno é um alerta para a sociedade e para os educadores, É preciso refletir sobre o tipo de ser humano que nosso sistema social está gerando e formando.
Somente a reflexão crítica e filosófica pode impedir que as pessoas cheguem a ponto de repetir atrocidades, que sejam devotas e se submetam a ideologias de intolerância de qualquer ordem.
Repensar a realidade educacional, questionar as políticas educacionais embutidas de ideologias impostas como corretas e intocáveis é tarefa do educador consciente.
Quando a realidade educacional e cultural se torna endurecida e inflexível fica em total descompasso com a sensibilidade de ser “humano”.
Questionando os papéis e as condições da família, da escola, da mídia, do sistema, da política governamental poderemos chegar às respostas para os fracassos educacionais.
De tudo isso, o mais importante é a tomada de consciência de que cada acontecimento de barbárie não se resume apenas ao ato de sua consumação, mas envolve outras questões que criaram a possibilidade para que ele viesse a acontecer!

Salete Micchelini